domingo, 30 de outubro de 2016

"Despadronização" das épocas



Ontem estava louca para falar sobre o que vou escrever hoje, mas queria fazer isso com calma, apesar da cabeça estar borbulhando e os dedos indóceis. rs
Passei a semana inteira lendo e pensando sobre as escolas de princesas espalhadas pelo mundo, e agora trazida ao Brasil! Li também sobre países que estão desconstruindo a ideia dessas escolas de princesas e vi posts variados nas redes sociais sobre o assunto, além da opinião de muitas mulheres. Comentei em somente um deles e foi aí que tive vontade de, prontamente, escrever sobre o assunto. Era um replique de um texto, "Vida longa às princesas", de Tati Bernardes, uma escritora atual, mais conhecida nas redes sociais por seus textos irônicos e descontraídos sobre as mulheres contemporâneas, ou pós contemporâneas, como queiram. Enfim, o texto contextualizava as princesas na era pós-moderna e onde elas já não se encaixariam com suas superficialidades e desejos não condizentes com a cabeça das mulheres de hoje. Eu fiquei intrigada com o que li. A autora abordava diversos aspectos do sexo masculino, entre eles a insegurança de alguns homens, o machismo e chegou até a mencionar alguns aspectos íntimos como a flatulência do cônjuge, encaixando as "princesas" nesse contexto como se aquelas situações vividas, e aceitas, por elas, só pudessem acontecer se aqueles homens tivessem uma "princesa" ao lado deles!  Bom, o meu primeiro questionamento foi: quer dizer que por não ser uma "princesa" eu devo estar em desacordo com todas essas atitudes, inclusive o pum do meu marido? Eu parecerei mais independente e autônoma se confrontá-lo toda vez que ele, perto de mim, expele ventosidades pelo ânus? Tá certo, é compreensível, mas meu cérebro não aceitou muito bem e continuei inquieta lendo o restante do texto. Eu vi muita coisa que achei engraçada, e de fato relevante, mas também fiquei pensando no direito de decisão daquelas mulheres que gostariam de se tornar "princesas" para os homens descritos naqueles textos e para os tantos outros que vivem aqui do lado de fora da tela do computador. Todo aquele "rito de libertação" me fez lembrar os anos 40, 50, 60, exatamente o contrário dos dias de hoje, quando as mulheres deveriam seguir um padrão para serem consideradas esposas perfeitas e mães dedicadas. Aí, inquietei-me mais ainda quando lembrei de filmes que amo ter visto, e mais de uma vez, como "As horas" e "Foi apenas um sonho", em que são apresentados temas exatamente como esses, o papel e comportamento das mulheres na sociedade em diferentes épocas e contextos. Não parei de pensar no assunto desde então, a cada coisa que fazia e onde ia me lembrava do texto da Tati Bernardes, dos filmes, dos posts...

Há muitos dias eu me perguntava por quê era tão necessário que as pessoas ditem as regras que a sociedade deve seguir em determinada época. Existe um comportamento modelo que você deve apresentar a cada década, a cada "temporada" dessa série chamada vida para sentir-se atual, condizente com o momento em que vive. 
Aos 37 anos, não posso dizer que já vi de tudo, mas vivi tanta coisa que certos comportamentos já me deixam enfadada. E em tempos de net, onde todo mundo é rei em seu próprio mundinho, em suas próprias conclusões e intolerâncias, inclusive eu, molesto-me muito facilmente!! Estamos vivendo numa época em que as mulheres são independentes, livres para escolherem como querem e devem viver, a relação que terão com seus filhos, maridos, pais, amigos, a relação íntima e particular com o seu próprio corpo, o que perpassa pelo empoderamento do sexo feminino, a legitimidade de sua autonomia, o respeito à nós, mulheres, como pessoa, como profissionais, como seres humanos. 
 
Então, em um dos meus comentários no post sobre "Vida longa às princesas", eu dizia à dona do compartilhamento que o mundo estava muito chato, pois as pessoas têm que ser, ou aparentar ser, o que os outros acham que devemos: modernas, independentes, feministas, à favor do aborto, entre tantas outras características que mídia nos empurra goela abaixo e acaba que ninguém mais tem o direito de escolha, ou de opinião própria, pois quando se é contrária à maioria, acabamos sendo taxada de retrógradas ou antiquadas.

O problema é que nunca me encaixei em sistemas, nunca quis parecer sempre a mesma coisa/pessoa o tempo inteiro, nunca quis concordar com todo mundo nem discordar sempre!  E aí é que está, eu não me ajusto à época nenhuma, não me adapto a padrão nenhum!!

A questão sobre a coisa toda de princesas e que não se pode mais acreditar em um príncipe, pois você estará fora do de seu tempo, é bem inquietante. Não se pode escolher andar de cabelos escovados ou chapados, se eles forem cacheados, porque você estará negando a sua origem, desempoderando a naturalidade do seu próprio ser, da sua descendência e, por consequência, da sua identidade. Não se pode querer dedicar-se à família e aos filhos porque você passa a ser arcaica, desatualizada, fora do estilo atual de mulher superpoderosa... E as convenções sociais vão se tornando um verdadeiro saco, seja em que época for!

"Eu não sou o tipo 'princesa'", como a dona do post falou e eu prontamente confirmei também não ser. Mas lembro de ter brincado de barbie até meus 14 anos de idade, lembro também de ter tido um meu bebê e brincado de casinha, de fazer comprar com carrinho rosa e tudo (e confesso que hoje detesto supermercados!), brinquei de comidinha, de carrinho na areia, de miss, de cantora, de apresentadora de TV, de estilista, de professora, joguei bola, trepei em árvores mil (aqui sem trocadinhos, por favor!!rs) e lembro de ter me divertido muito entre meninos e meninas. Ah, e lembro-me de ter crescido em meio aos contos de fadas da Disney, entre outros, sonhando com um príncipe encantado, um rapaz gentil, carinhoso, protetor e belo. Confesso que a vida é bem mais desencantada do que no mundo imaginário das princesas, mas os sapos desta vida real acabam se transformando em nossos verdadeiros príncipes. 

Duas histórias de contos de fadas que mais gosto são "A pequena sereia" e a "Bela e a fera", e nenhuma delas seguem um padrão não aceito pela sociedade atual. Contudo as princesas casaram-se com seus respectivos príncipes, quer seja ele uma fera ou não, mas um príncipe pelo qual elas também tiveram que voltar-se para o mundo deles de alguma forma e fizeram suas escolhas, ninguém convencionou que rumo elas deveriam seguir. Então, elas também fazem parte desse "mundo perverso" das princesas de contos de fadas? Eu penso que depende da perspectiva em que se olha. 
 
É saudável, sim, a existência de contos de fadas, princesas, sonhos, fantasias, glamour, magia, senão a vida se tornaria um marasmo, se desde a infância tivéssemos que conviver com realidade brutal do mundo. Imagine se desde criança me privassem de sonhar?! Minha vida teria sido muito chata!! E é aí que está a grande diferença entre a infância e a vida adulta, discernir que as princesas existem nas histórias, mas que na vida real as coisas são bem diferentes; o interessante é essa transformação da fantasia para o real; o crescimento se dá exatamente na percepção dessa passagem de uma fase imaginária à vivência do palpável! 

Sobre a escola de princesas não posso dizer, definidamente, o que penso sobre a instituição desse estilo comercial de educação porque nunca estive dentro de uma delas, não sei a metodologia deles nem tão pouco o resultado/impacto disso nas crianças que lá frequentam. Não conheço ninguém que tenha colocado suas filhas numa escola dessas, mas uma coisa, sobre o que já li e vi até aqui, tenho que concordar, não faz mal a ninguém ensinar um pouco mais de gentileza, generosidade, cordialidade, organização, princípios de comportamento e caráter às crianças de hoje. Não sei exatamente o que ocorre lá dentro, mas se as meninas estão tendo aulas de como serem mais doces, mais amáveis, mais educadas, não vejo tanto problema assim. Somente tenho uma observação quanto ao processo de ensino das atividades domésticas, e aqui me refiro ao ensino da servidão das mulheres que deve ser repensado e trabalhado sob uma nova ótica, um novo paradigma, sem o estigma e consenso da escravização doméstica!! 
Por outro lado, fica um outro questionamento, por que não ensinar aos meninos, também, um pouco mais de gentileza, cordialidade, sensibilidade, bons modos, tarefas domésticas, sem a desconstrução do estereótipo de príncipes, mas como uma reinvenção desse estilo, somando às características já conhecidas, uma colaboração mútua entre os dois sexos, um novo jeito de ser príncipe ou como ser um príncipe nos dias de hoje? Porque é preciso negar totalmente um modelo para se criar outro, ao invés de tirarmos proveito deles em conjunto? 

Em resumo, eu penso que cada um tem o direito de escolha e essa pressão social por padrões torna-se fatigante. Eu também não sou totalmente adepta do mundo encantado, mas por quê frear as vontades alheias? Por que tudo tem que ser convencionado ou imposto pra você "se encaixar"? Chato demais!!! 
A dona do post dizia que a crítica à escola de princesas se dava exatamente porque as "princesas" estavam inseridas em outro modelo de vida que não a vida da nossa pós-modernidade. Então eu pergunto, mas qual é padrão certo de vida para cada época? O que é aceitável, ou não, em relação à vida privada? E quem pode definir isso a não ser nós mesmas? Não entraria aqui, pois, cerceado o direito de seleção de se viver, e ser, como quisermos, sem prejulgamentos? 
Não há nada mais enfadonho do que alguém querendo ditar regras para a nossa vida que é tão individual, tão pessoal quanto a íris dos nossos olhos! E não há nada mais entediante do que ver a maioria da sociedade tentando se enquadrar em algum lugar para sentir-se aceita, valorizada, reconhecida, autossuficiente, "antenada"!

Pois, saibam, eu adoro cozinhar para minha família, apesar de ter que fazer isso como obrigação absoluta, todos os dias, é, muitas vezes, maçante. Eu adoro cuidar das coisas do meu filho e agora do meu marido. Gosto de quando estamos à mesa apreciando uma refeição feita por mim. Mas gosto também quando meu marido faz bolo de cenoura, bolo de baunilha, cozinha as coisas típicas do país dele para nós. Gosto quando meu marido liga o som alto, com as músicas paquistanesas dele, ou Drake, ou qualquer outro som, e limpamos a casa juntos. Gosto quando ele me acompanha nas atividades do Miguel, quando me acompanha ao médico, quando eu o acompanho ao médico... Gosto das coisas rotineiras que a vida de casada me proporcionou. Tem dias que estou cansada, com preguiça, como qualquer outra pessoa, porque sou um ser normal. Detesto quando tenho que preparar aula, estudar, e alguém me desconcentra ou quando tenho que parar meus afazeres profissionais para cozinhar ou qualquer outra coisa assim. E foi por isso mesmo, por não gostar de muita coisa e querer conciliar minha vida doméstica com minha vida profissional que escolhi uma profissão em que pudesse viver isso tudo junto, mesmo não sendo a mulher superpoderosa que a mídia diz que tenho que ser. Gosto muito de ser mãe e, apesar da dificuldade que é estar casado, por causa de todas as suas implicações, adoro minha vida matrimonial, em família! 

Podem pregar o que for, na mídia, nas redes sociais, nas rodinhas de bar, não penso igual a todo mundo, não quero mesmo me encaixar em lugar nenhum. Não acredito que a vida tenha que ser 8 ou 80!! Há espaço para várias teorias de vida numa vida só, tudo é uma questão de adaptação!!

E vamos de mamãe Pitty!!!

Acredito que já havia até postado essa aqui antes, mas adoro a dualidade da letra!!

"Hoje aos trinta é melhor que aos dezoito/ Nem Balzac poderia prever/ Depois do lar, do trabalho e dos filhos/ Ainda vai pra night ferver" (Pitty - Desconstruindo Amélia)

Por Helen de Sousa S. Waqas



Sobre o projeto Escola de Princesas
Escola de princesas no Brasil
Descosntrução de esteriótipos