domingo, 13 de novembro de 2016

O que vem de dentro

Os últimos dias foram bem tranquilos. Nada fora do normal, sem conflitos, sem impactos, só letras, livros, e os pensamentos.

Amenizando o pesar do último post, hoje falarei de coisas mais suaves para a digestão dos interessados.

Era véspera de Natal, quase como agora. Eu passei o dia bem ativa, separando alegorias para a decoração das festividades que estavam próximas. Depois de longos meses inquietantes, às vezes tristes, às vezes cheios de euforia, lembro-me de muitas lágrimas naqueles dias. Talvez por estar quase sempre sozinha, talvez por ter escolhido estar só e ter deixado tudo para trás. Os dias eram mais longos do que as noites. Eu tinha terminado de preparar as luzes de Natal, estava descansando, sentada no sofá, de repente me vi atordoada, aquela sensação era diferente, ainda não tinha sentido aquilo. Até ali, na maior parte do tempo, estava tudo bem. Passei o dia inteiro pensando nele. Estava ansiosa. A cada hora a espera era maior. Sentia-o muito perto, então ficava tranquila por saber que logo estaríamos nos braços um do outro. Tive que correr e arrumar as coisas na bolsa. Ela me mandou ir direto para o hospital, pois a nossa programação não tinha saído como combinado.

Passei ao vestiário, mandaram-me ficar nua, somente com um paninho. Eu estava pronta, ansiosa mas preparada para encarar o que viria pela frente. Sentada naquela mesa, eu poderia dizer fria, tanta coisa passava pela cabeça, a vida, a morte, o amor, o desamor, o abandono, as esperanças e incertezas de um novo futuro que se aproximava. Disseram que não iria doer. "Você não sentirá nada. Vou aplicar-lhe a injeção e logo em seguida você deve deitar-se." Estava congelada nesse momento porque a agulha era enorme. Realmente não doeu nada. Deitei e logo em seguida já não sentia mais meu corpo quase que por inteiro. Eu sentia eles me pegando, levantando minhas pernas, passando os panos por debaixo delas, senti quando tiraram-no de dentro de mim. Não houve qualquer precipitação ou exaltação. Ele soltou um choro rápido, sem sofrimento, sem delongas. Lágrimas escorreram do meu rosto. Miguel estava neste mundo! Trouxeram-no ao meu encontro, peguei nas suas mãos sujinhas e num cumprimento rápido, com um certo nojinho daquela sujeira toda, soltei um "Tá bom!", num ímpeto de desconcerto, misturado ao êxtase de ver o meu filho pela primeira vez fora das telas de um computador. Chorei. Minha mãe estava ao meu lado neste momento, como sempre esteve nos momentos mais importantes da minha vida, e como eu pedi, ela o acompanhou todo o tempo quando o levaram da sala de cirurgia. Depois de me fecharem toda, encaminharam-me à uma sala de espera, antes de subir para o quarto. Passei muito mal por causa do efeito da anestesia. A memória falha pois a consciência estava intermitente. Subi ao quarto e quando acordei perguntei pelo pequeno, já era dia. Uma médica começou a conversar comigo cheia de dedos, e eu fui bem direta, "O que aconteceu? Cadê o meu filho? Mãe, cadê o Miguel?" A médica ainda cheia de dedos pedia para eu ficar calma. "Seu filho engoliu líquido amniótico durante o parto e teve que ser encaminhado à UTI para ficar em observação por alguns dias."Putz, não estava tudo bem?", pensei. "Quando ele começar a reagir e quando estiver pronto poderá ficar com você no quarto!". "E quando eu posso ver meu filho?, "A hora em que você quiser. É só conseguir levantar e você já poderá ir até ele.". No mesmo dia levantei, fui ao banheiro, comi alguma coisa e me encaminhei para a UTI. Estava ansiosa para vê-lo. Quando cheguei à sala, vi aquela coisinha pequena, cheia de fios, indefeso, frágil, vestido só com uma fralda, encolhidinho dentro de um vidro. Não me contive e de novo fui às lágrimas. Alguém me aconselhou: "converse com ele, deixe que ele sinta você, suas mãos, assim ele reagirá mais rápido." Que desesperador você não saber quando terá seu filho nos braços. A última pessoa que vi inconsciente numa cama de hospital foi meu padrasto. E ouvi também um: "pode conversar com ele pois ele está ouvindo vocês." Na mesma semana estávamos no seu enterro. Mas aquele era um ser no começo da vida, eu ainda não tinha tido tempo de dizer o quanto eu o amava, beijado seu corpinho, seus pezinhos, suas mãos, sentido seu cheiro, ainda não havíamos tido qualquer contato além de quando ele quase me matava dentro da barriga com seus chutes socos, parece até que estava adivinhando que aos 10 anos seria um dos goleiros principais da escolinha de futebol!rs 
Eu ia para lá todos os turnos, ficávamos uma hora, meia hora, até que ele teve alta e veio para o quarto. Que felicidade!! O padrinho dele estava no momento mais importante desde o nascimento,  a hora da primeira amamentação, o contato mais sobrenatural entre dois seres humanos, a melhor sensação do mundo, a conexão mais direta com Deus! Mas para variar, como tudo não é um filme regado a luzes especiais e efeitos que dão a impressão de borboletas voando naquela cena, eu estava descabelada, suando feito uma porca e ficando nervosa. O seio esquerdo ele pegou com uma rapidez descomunal, mamou tudo o que tinha e o que não tinha, mas no seio direito, eu estava quase desistindo... a enfermeira mandava eu "pegar o peito corretamente" e enfiar na boca do moleque. Mas como eu ia fazer isso com uma criaturinha que tinha acabado de chegar da UTI? Eu não conseguia ser tão prática, tão rápida, tão... sei lá. E o desespero atingia até o padrinho que sorria da minha cara. Aposto que se ele tivesse um peito cheio de leite, tinha oferecido ao Miguel só pra me livrar daquele suplício!!rs A gente morre de rir desse dia até hoje quando lembramos, mas foi o meu primeiro grande sufoco como mãe de primeira viagem
De lá pra cá foram tantas coisas boas, tantos sorrisos, tanto choro, tanta vida lado a lado. Fizemos muita coisa juntos: viajamos, dormimos abraçadinhos, tomamos banho no Rio São Francisco, fomos à praia, dançamos até tarde da noite, sentamos para conversar seriamente, fomos cúmplices nas fugidas para um lanche, um sushi, passamos carnaval só nós dois, cantamos no carro até a voz não dar mais conta, jogamos futebol, jogamos jogo da velha, forca, jogo da memória,  já nos aborrecemos um com o outro, foi muita coisa... E fico pensando quando ele não estiver mais aqui, perto de mim, quando ganhar o mundo e eu já não tiver papel principal na vida dele, além dele mesmo. Vai deixar muita saudade! Porque ele sempre foi meu companheirinho e agora está crescendo e se libertando, aos poucos, para a vida adulta. Ele é muito ativo, é muito independente, muito inteligente e me orgulha o trabalho que estou tendo para orientá-lo a ser alguém de quem as pessoas se orgulhem, alguém em que elas possam confiar, alguém que elas possam amar e querer sempre por perto. É um trabalho árduo e contínuo, sem licença, sem férias, sem remuneração ou qualquer outra recompensa material que o mundo pudesse conceituar. Amor de mãe é impagável. Eu amo ser mãe. Eu amo meu filho mais do que tudo nessa vida! Eu agradeço a Deus tudo ter dado errado para eu ter que voltar, eu ter que mudar, eu me tornar quem eu sou hoje, graças também à chegada do Miguel na minha vida. Ele foi, em 26 anos, a bênção mais reconhecida que eu posso ter recebido!! 
E com Halo, sempre lembro do meu Miguelito. Amor eterno!!!



Depois que casei, fizemos planos para ter um bebê, mas futuramente, quando as coisas melhorassem. No entanto, eu já havia decido parar com o anticoncepcional e ficar somente na tabela de controle de fertilidade. Tirei o Mirena no mesmo mês do nosso casamento, em maio de 2015. Estávamos nos cuidando, mas confesso que burlei o sistema, talvez querendo testar sua eficiência ou ainda a minha capacidade de ser fértil, e ao mesmo tempo torcendo para que algo sublime acontecesse para que nossos dias fossem mais alegres. Não tinha muito tempo para perder, parece igual a tudo na minha vida, às vezes tenho vontade de viver muita coisa ao mesmo tempo e parece ter vida de menos para isso, pouco tempo para querer viver tanta coisa!
Engravidei pela segunda vez em dezembro de 2015, mas ainda não sabia que estava esperando um novo bebê. Apesar de estranha, na noite de reveillon comemorei normalmente com amigos e meu marido, tomamos um champanhe bem de leve, voltamos para casa cedo. Tínhamos viagem marcada para janeiro de 2016, era a nossa lua de mel que só pudemos aproveitar sete meses depois do nosso casamento, por causa de grana, por causa do trabalho, entre outros. Uma semana ou duas semanas antes da viagem resolvi fazer um teste de farmácia para saber se estava grávida. Primeiro resultado positivo. Corri para a cama para contar o Amir que ele iria ser pai. Ele perguntou sonolento: "Como você sabe?", "Acabei de fazer o teste de farmácia!". Ele sorriu. "A gente pode confiar neles? E esses seus programas que tem no celular, falharam?", "Parece que sim.", respondi me fazendo de sonsa. rs Estávamos felizes, porém apreensivos. Ele já começava a se animar com a notícia, apesar da situação difícil pelo qual estávamos passando. Viajamos para Florianópolis. Foi tudo lindo, só tivemos o agravante das dores de cabeça e enjoos frequentes pelos quais eu estava passando e não tive trégua um dia sequer na viagem. Fora isso, foi muito bom!
Na volta, depois de realizados os exames iniciais, fomos ao primeiro ultrassom. Soubemos que o bebê tinha um problema, apresentava um cisto no pescoço, algo pequeno, porém fomos orientados a acompanhar o desenvolvimento do pequeno feto quase que semanalmente. Choramos bastante e ficamos abatidos, mas no final sempre tínhamos esperança do bebê se recuperar. Fui orientada a continuar meu pré-natal no HMIB, hospital especializado em gravidez de risco. Ok. Estávamos confiantes que tudo aquilo iria passar, mas a cada nova visita aos médicos eram sempre palavras de desesperança e, na nossa cabeça, de negatividade. Todos os médicos pelo qual passei me ofereceram interromper a gravidez, aquilo é frio, insensível, inconcebível. Eu nunca iria fazer isso. Estava aceitando o que fora reservado para mim e seguiria com os planos até o final, não importava como aquele bebê viesse, eu não abreviaria sua vida. Tive que fazer um exame, no terceiro para quarto mês de gestação, para saber as causas da má formação do neném, que agora sabíamos seria uma menina, a Aisha. A agulha era enorme, quase um palmo de comprimento, iria adentrar minha barriga, minha placenta e recolher um líquido de lá. Medo extremo. Eu já havia sentido tanta dor ate ali, em meio a exames mil e controle de taxas sanguíneas etc. Deu tudo certo. Fizemos o exame e aguardávamos o resultado. Com quase 20 semanas fomos a mais uma consulta. Neste dia, erramos o horário do médico então tivemos que enrolar na rua. Fomos à feira dos importado, onde tomamos um caldo de cana, resolvermos algumas coisas e nos dirigimos de volta ao hospital. Ao chegar lá, estava sentido umas pequenas pontadas na barriga, mas a sensação era normal, nada que não tivesse sentido antes. No hall de entrada sorríamos e fazíamos piada da vida. Ao entrarmos na sala de ecografia, onde a equipe estava toda reunida, a médica perguntou se tínhamos notícias boas do exame que fizemos, confirmamos que ainda não tínhamos o resultado. Ela disse: "Ah, achei que sim, vocês entraram tão sorridentes. Vamos lá, vamos ver então como está esta bebê?!". Deitei na cadeira e o Amir sentou na minha frente, segurando minha mão. De frente para mim tinha um monitor e outro de frente para a médica que estava ao meu lado. Ela colocou o gel na minha barriga e depois de movimentar o aparelho duas ou três vezes ela olhou pra mim, em menos de dois minutos de exame, e disse: "Helen, infelizmente não tenho boas notícias. A bebê não resistiu." Eu olhei para o Amir, não acreditávamos no que ouvíamos, parecia uma brincadeira, a ficha não tinha caído. Fomos orientados a procurar um hospital para fazer a retirada da bebê, pois no HMIB não havia vaga. Saímos da sala e nos encaminhamos para casa, meio atônitos ainda. No carro, caiu a ficha. Choramos juntos mas não muito, pois era como se esperávamos por aquilo e ao mesmo tempo um sonho a mais teria que ser adiado. No mesmo dia, mais ou menos às 19h, eu fui a outro hospital, dessa vez particular, tentar a internação mas não foi possível pois não haviam quartos disponíveis. Saímos de lá, eu, Amir, um primo e padrinho do Miguel, depois da meia noite. Eu teria que voltar pra casa e dormir com a Aisha falecida em meu ventre. Horas estranhas, de extrema tortura, sem saber o que estava por vir. No dia seguinte, de manhã cedo fui ao hospital. Não havia quarto vago. Segundo informações no próprio hospital, como eu tinha que ficar internada para a indução de um aborto, eu teria que aguardar até às 13h para conseguir um quarto depois de alguma alta. Meu marido teve que trabalhar pela manhã, então fiquei com minha mãe, que mais uma vez esteve comigo num momento delicadíssimo da minha vida. Às 14h eu subi para o quarto. Começaram o procedimento de indução. Introdução de comprimidos (Citotec) até que as contrações fossem aumentando. À tarde minha mãe ficou comigo até o Amir chegar ao hospital. Às 18h as contrações começaram de verdade. Às 19h30 começaram a intensificar-se. Passei uma noite extremamente difícil. As contrações iam e vinham como se eu fosse morrer antes da próxima iniciar-se novamente. Eu nunca senti  um dor tão grande. Nunca vivi uma agonia tão sufocante. Os espaços de tempo entre uma contração e outra iam diminuindo e eu já estava perdendo as forças. A cada nova contração achava que ia morrer. Às 05h30 eu já me encontrava num estado em que não queria ouvir ninguém, não queria receber carinho, não queria falar, só queria que aquilo acabasse logo, só queria que alguém fosse me medicar, me dar um diminuidor para aquela dor, mas ninguém aparecia. Chegaram com um café da manhã, às 06h. Como eu iria comer naquela situação? "Será que alguém pode chamar a médica para mim? Eu preciso de uma medicação". O Amir começou a comer o café da manhã e me perguntou se eu queria pelo menos tomar alguma coisa. A minha vontade era xingar, e eu fiz muito isso, fazer ele engolir aquele café, calar a boa e trazer qualquer médico pra mim, eu estava morrendo de dor!! Típica cena de filme de comédia  mesmo. Hoje a gente ri da cena, mas foi muito punk!! Às 06h30, ele segurava minha e quando eu dizia que não aguentaria a próxima contração, senti algo estranho, dessa vez minha alma estava sendo colocada para fora do meu corpo, eu estava perdendo a consciência de tanta dor, até que senti a neném vindo, falei pra ele correr e chamar alguém porque a pequena Aisha estava saindo/nascendo, eu não sabia como me referir àquele momento! Em questão de segundos, a cama estava encharcada de sangue e água. Eu não me movia. Meu marido veio correndo e ficou impressionado com o que viu. A enfermeira veio logo em seguida e aí a equipe do hospital se mobilizou, depois de passar por tudo sozinha com meu marido, num situação em que eu não fazia ideia do que esperar, num momento de extrema sensibilidade e dor... mas eu só queria que a médica chegasse, queria levantar, queria tomar um banho, queria poder dormir. Pegaram a neném colocaram num saco. Antes disso o Amir tirou foto da pequena, mas eu não quis ver. Depois de passado o sufoco, descansei. A cabeça não parava, porém tava cansada demais para pensar mais em tudo o que tinha acontecido, no que estava acontecendo. Tive alta no outro dia. Não chorei ao sair do hospital. Aquela sensação era muito estranha, bastante desconfortável, entrar com um bebê no ventre e sair do hospital de mãos vazias vendo outras mães com seus filhos indo para casa... mas eu me mantive forte até o carro. No caminho fui calada o tempo inteiro. Quando estávamos quase chegando em casa desabei! Tive uma crise de choro. Aquela sensação estava me consumindo, apertando o peito. Fui me acalmando aos poucos, também não queria que o Miguel me visse naquele estado, e quando chegamos em casa o clima era de velório. Ao ver meu filho, uma mistura de sentimentos invadiu o eu peito. Acabei boa parte do tempo quieta no quarto, porém parecia mais forte do que o que realmente esperavam de mim naquela situação. Na semana seguinte foi dia das mães. Recebi um café da manhã preparado com muito carinho pela minha mãe e pelo Miguel. Foi lindo!
Por alguns dias eu não tive muita reação de tristeza, estava forte porque sabia que ainda a encontraria novamente. E apesar do pouco tempo juntas, ficou um vínculo, um respeito pela escolha dela, por ter me escolhido para passar o pouco tempo que teve ao meu lado, foi gratificante de certa forma. Na verdade, mesmo depois de tanto sofrimento, foi uma honra saber que ela confiou a mim a missão de lhe oferecer tanto amor, tanta dedicação em tão pouco tempo. Foi um prazer tê-la ao meu lado, mesmo que por poucos meses. 
A minha segunda cria não pode desfrutar de momentos mais intensos com os pais e a família dela, mas valeu todo e qualquer tempo que passamos ao seu lado!!
Para sempre será lembrada com a música de Keane, na versão de Lily Allen.





Minha ginecologista pediu todos os exames para saber se estava tudo bem depois da perda da bebê, em maio de 2016. "Se o útero tiver voltado ao normal certinho, se ocorrer tudo bem com a ecografia, você já pode tentar outra gravidez sem medo! A natureza é muito sábia e confiar nela é a maior sabedoria, além do respaldo médico", foi o que ela afirmou. Fiz todos os exames necessários. Estava tudo bem! Apesar de ainda estarmos passando por dificuldades financeiras, não sabia se queria protelar uma nova gravidez. Estava acima do peso, por causa da gravidez da Aisha, o Zicavírus ainda estava em alta no Brasil -- e isso não vai melhorar nem tão cedo -- , e com a chegada dos 37, minha dúvida era esperar mais uns anos ou tentar novamente. Resolvi arriscar, ainda estava no clima. Pensei, "Seja o que Deus quiser"! Estava pronta para ser mãe de novo e se não fosse dessa vez, não sei se ainda chegaria a querer engravidar de novo. 
Fiquei um mês de resguardo, junho inteiro. Em agosto de 2016 eu tentava novos testes de farmácia. Não perdi muito tempo, minha gente, não mesmo!rs Fiz o primeiro teste, deu positivo mas com uma listrinha muito apagada na segunda listra que tem que aparecer para o teste validar como grávida. Depois de uns dias fiz outro. Continuava na incerteza. Fui ao médico e pedi um exame de sangue. Resultado positivo! Chegava um outro serzinho pra mim. Havia um medo absurdo da primeira ecografia, um filme passou na cabeça. Ninguém sabia ainda da gravidez, só queria contar a todos depois que tivesse certeza que estava tudo bem. Fizemos a primeira ecografia, estava tudo bem com o bebê, tudo normal, respiramos aliviados. No terceiro mês fizemos outra eco e veio a confirmação de que estava tudo bem mesmo com nosso filhotinho, tudo no seu lugar, todos os órgãos desenvolvendo-se direitinho, agora só faltava saber o sexo do bebê. Eu tinha uma pequena intuição de que seria um menino. O Amir queria uma menina. Eu sonhei várias vez com um menininho e fiz o alerta. Numa noite, meu marido sonhou com o pai dele, já falecido, brincando com um menino. Falei: "então se prepara, a possibilidade é enorme de ser um menino!rs". Estávamos quase certos que seria um menino. Batata! Na terceira ecografia a médica pergunta: "Vocês já sabem o sexo do bebê?", "Não", respondemos juntos. "É um menino. Parabéns!". Eu abri um sorriso largo. O Amir sorriu. O Miguel ia amar a notícia porque queria muito um irmão. Não era a nossa Aisha, mas era uma pessoa que queríamos muito também, que estávamos à espera há um tempo e que, com a perda da pequena, viria preencher o vazio das nossas vidas. 
Noah quer dizer conforto, "de longa vida" ou "aquele que vive muito", portanto, ele é nosso conforto, a nova esperança de dias melhores. E enquanto aguardamos a sua chegada, vamos sonhando com os dias que passaremos ao seu lado, ansiosos pelo mês de março/17 para podermos tocá-lo, abraçá-lo e aconchegá-lo no peito.
Ainda não tenho uma música para o Noah, mas com certeza assim que a tiver, vai ser um post inteiro aqui só pra ele!! Afinal de contas, quero dizer como foi sua vinda, como estaremos todos depois dele. Vou encontrar um tempinho pra fazer isso, se Deus quiser!!rs
Enquanto isso, vamos de Alanis, uma das artistas que mais aprecio e que segue comigo desde muito tempo.

Para os meus rebentos, todo amor do mundo!!


Por Helen de Sousa Waqas


terça-feira, 8 de novembro de 2016

Nossos inevitáveis cafés da manhã


"Bom dia, dia!!". É o que sempre penso quando acordo. Ao pronunciar isso mentalmente, vem logo outro pensamento, "ai, vou ter que sair do quarto para tomar café. O pequeno está com fome, não posso mais protelar nesta cama. Vamos lá, matar o dragão de hoje. O que será que virá dessa vez?!" E como se eu não soubesse a resposta, mas eu sempre sei, sigo acreditando que hoje o dia será diferente!

Hoje acordei assustada, às 08h30 da manhã com minha mãe com a mão na minha barriga. Pensei: "Putz, que susto! Que horas são? O que houve?", depois só tentei abrir os olhos e entender o que estava acontecendo. Havia acordado mais cedo, às 05h40, mas a casa estava escura e sem nenhum ser dando sinal de vida, então fui ao banheiro, voltei a me deitar e às 06h acordei com o despertador tocando. Fui ao quarto do Miguel, o acordei para se arrumar e ir à escola, enquanto meu marido se trocava e se preparava para um teste em um novo emprego, todos sairiam de casa antes das 06h30 e eu só voltei a cochilar depois das 07h. 
Voltando ao meu terceiro despertar, meu maior temor agora, eu estava sozinha com minha mãe, no quarto, me perguntando alguma sobre eu ter visto o preço de guarda-roupa para vender na internet. Respondi que não vi e ela começou com a ladainha de sempre. Sim, eu tenho medo da minha mãe e dos meus sentimentos em relação a ela, principalmente por ser a minha mãe, minha genitora e quem sempre esteve ao meu lado nas horas ruins, mesmo me cobrando a perfeição e jogando na cara que estava ali para me ajudar -- percebam quanto rancor nesta últimas sentenças. 

Há um ano e meio mais ou menos, perdemos muito dinheiro com a compra fracassada de uma loja de alimentos, na tentativa de sair do caos em que nos encontrávamos, eu desempregada e meu irmão também, e ficamos bem pior do que antes. Compramos a loja numa época em que o país afundava e nem os novos compradores, depois de mim, que tinham dinheiro para investir e se manter por lá, conseguiram permanecer com ela aberta por mais de três meses. Confiamos em um primo pilantra, e sem o menor pudor profissional ou pessoal, que nos vendeu um estabelecimento comercial fadado à falência, dizendo que nos auxiliaria em tudo, entrando inclusive como sócio -- claro, sem dar um centavo, mas oferecendo seus préstimos e experiência no mundo dos negócios. Confiamos no nome da instituição para o qual ele presta serviço e na descrição "fabulosa" de seu currículo. Fail total!! Investimento inicial, vinte mil reais. Hoje a dívida acumula empréstimos de familiares que nos concederam dinheiro, três processos na justiça, dois de funcionárias contra a empresa, num valor total de cinquenta e cinco mil reais, e um último referente a um financiamento no Banco do Brasil, cuja ex-proprietária pede setenta e seis mil reais de indenização. Em contrapartida, a nova proprietária também está sendo processada por mim por não ter cumprido cláusulas contratuais; e como eu disse na justiça, não quero um centavo da nova proprietária, quero que todo o dinheiro que talvez ela tenha que me pagar passe diretamente para a antiga proprietária, pois o meu objetivo não é ganhar nada que venha daquele lugar, mas me livrar de tudo e todos que me fazem lembrar que um dia tentei ser comerciante no Brasil!!

Bom, mas como tudo que é ruim tem um lado bom, por causa de todos esses problemas, tive o privilégio de conhecer o meu marido enquanto estávamos na loja, pois ele trabalhou comigo, e foi ele o meu suporte emocional para lidar com toda a turbulência que vivi naquela época. Hoje estamos à espera do primeiro filho dele, e do meu segundo filhote; na verdade terceiro, porque estive grávida no final do ano passado e perdemos a pequena Aisha aos cinco meses de gestação, em maio deste ano. Ela tinha uma síndrome e não resistiu. Então, o Noah, oficialmente, é o meu terceiro filho!! E estamos muito felizes com a vinda dele. 
Para não dizermos, então, que 2015 foi um ano terrível, tivemos o nosso casamento que foi muito lindo e emocionalmente uma das melhores experiências que tive na vida, apesar de nunca ter sonhado de verdade em subir o altar de uma igreja com alguém, nem fazer mais planos de casamento aos 36 anos de idade. À época, a grana era pouquíssima pois naqueles dias não saia um real da loja para o nosso bolso, somente para pagar a gasolina do carro para irmos trabalhar e fazer compras para a loja; contamos com a ajuda de familiares e amigos para que a festa de casamento fosse realizada e foi um sucesso! A igreja estava linda, o jantar aqui na casa da minha mãe foi maravilhoso, ganhamos também a fotografia do evento todo, estávamos cercados de muito amor e carinho e isso pagou qualquer big festa que talvez um dia tivéssemos planejado. Eu estava bem feliz naquele dia!!
Depois veio a crise maior na loja e as coisas estavam insustentáveis. Eram três funcionários na loja, eu, no caixa, o Amir e um amigo do Paquistão na cozinha. Acordávamos às 08h, saíamos para fazer compras, e voltávamos para casa meia noite ou uma hora da manhã. Dias de horror. Não gosto nem de lembrar. Vendi a loja em junho de 2015, alugamos nossa casa no final de outubro e em novembro estávamos de volta à casa da minha mãe, apesar de eu implorar para o Amir para tentarmos outra alternativa, e não voltar para cá, pois só eu sabia como era a minha relação com ela e como era difícil para mim tomar aquela decisão, mas ele insistiu dizendo que eu deveria superar o problema com ela e enfrentar que estávamos passando por uma crise séria e que nessas horas a família deve ser um suporte. O que ele não sabia é que nunca nos encaixamos, verdadeiramente, num modelo exemplar de família feliz! Mas enfim, concordei e aqui estamos há um ano que mais parece séculos!

Todos dos dias, desde que me mudei de volta para a casa da minha mãe, tenho vivido dias intermináveis, mal sucedidos e de extremo sacrifício, agora não só para mim. São brigas diárias que sufocam, que aprisionam, que nos deixam todos frágeis e estressados. E o motivo principal, dinheiro. O que mais me mata por dentro, porque esse é o grande ator na vida de Maria Hilda, que já passou muita dificuldade ao longo do caminho e acha que isso -- o dinheiro -- é o essencial para ser feliz, apesar de eu sempre achar o contrário. Não faço mais festas em casa, é raro convidar meus amigos para virem aqui, tudo se tornou bem monótono e sem vida na "casa de mamãe".
Meu marido tentou de todas as maneiras se dar bem com a sogra, hoje ele dá bom dia ou boa noite, no máximo; evita qualquer contato para não ter que se indispor com ela, por respeito. Meu filho desenvolveu, sozinho, a tática de evitar conflitos e gritaria em casa, pedindo desculpas a ela por tudo, mesmo que ele de fato não tenha feito nada. Eu emudeço a cada alfinetada. Fervo por dentro, como uma chaleira pronta para explodir -- sempre fui altiva, explosiva, agressiva com as palavras quando estava nervosa --, mas essa foi a única maneira que encontrei de permanecer calma, sóbria, até porque também estou grávida, e não quero desrespeitar minha mãe mais do que o que eu já fiz a vida inteira!!

Quando resolvi voltar a escrever no blog, decidi aliviar minhas mágoas para ninguém e todo mundo ao mesmo tempo. Seria minha válvula de escape. Há muito tempo, minha terapia tem sido comigo mesma e com o passar dos meus dias. Já me disseram para procurar um especialista, mas prefiro encarar meus problemas e tentar resolvê-los por mim mesma, até porque, mesmo que eu quisesse, não deveria ser só eu a fazer um tratamento psicológico, e como já houve uma tentativa da minha parte, que falhou porque minha achava perda de tempo e de dinheiro nos abrirmos para um psicólogo, só me restou não levar meus problemas a ninguém porque no final das contas só depende de mim e dos envolvidos neles a resolução dos impasses. 

Há dois anos eu era uma nova Helen, cheia de vida, sorriso largo, mesmo em tempos de intempéries -- como sempre há --, receptiva aos amigos, familiares, estava sempre de bem com a vida. Tudo isso se deu depois que passei, oficialmente, a seguir o Espiritismo. Hoje voltei ser a Helen de sempre, de uma vida inteira, mais retraída, menos sorridente, porém mais consciente de mim mesma. Confesso que no último ano entrei num ostracismo medonho, não porque eu não queira estar com as pessoas, mas porque decidi que não quero levar adiante minhas mágoas, meus anseios, nem perturbar os outros com os meus problemas; e se não tenho, efetivamente, coisas interessantes e agradáveis para compartilhar com eles, prefiro ficar quieta até que a boa onda volte! Às vezes, parece que não me importo com mais nada nem ninguém, mas é o contrário, por me importar com essas pessoas é que admito não ser uma boa companhia nesses últimos meses. Muitas vezes me vi extravasando, falando da situação aqui de casa e me lamuriando, mas passei a me vigiar para não fazer mais isso, pois estava expondo os meus e, principalmente, a minha mãe. Estamos agora, eu meu marido, na tentativa de falar menos possível sobre os problemas com ela.

Voltando ao meu café da manhã, depois da mão na barriga, me levantei, lavei rosto, troquei de roupa e fui tomar café, enquanto ela já estava por lá, na cozinha, após termos falarmos sobre dinheiro no quarto e sobre meu marido não querer mais contato com ela -- sempre tem um assunto que deve vir à tona, instigado por Maria Hilda, para começarmos o nosso dia com os dois pés esquerdos! Enquanto eu engolia o cuscuz e tomava o café com leite, ela dizia o quanto necessitava de dinheiro e eu tentava explicar a situação pelo qual passávamos -- pela milésima vez tentando convencê-la a mudar de atitude --, falava como era mais fácil aceitar as dificuldades, acreditar as coisa aos poucos vão melhorando  e que não adiantava ficar procurando culpados e reverberando ao universo quão infeliz era a vida. E é exatamente nesse ponto que somos o oposto uma da outra!! Perguntei a ela se depois de tudo o que eu estava passando, se ela me via gritando dentro de casa, nervosa, maltratando as pessoas com quem eu convivia ou rogando aos céus que tivessem piedade de mim pois eu não era merecedora das coisas que estão acontecendo. Nesse momento passei para a pia e fui lavar toda a louça suja que lá estava, eis que ela solta: "Enquanto você estiver frequentando o centro espírita, minha vida não progredirá e eu não serei feliz.". Aí não me contive, em pleno ENEM contra a intolerância religiosa, ela me vem com essa... sem noção! Falei muita coisa, sem me exaltar ou desrespeitá-la, mas disse o que estava pensando naquele momento e finalizamos a discussão minutos depois, quando eu aconselhava que ela não tentasse justificar os próprios problemas atribuindo isso à religião alheia pois uma coisa não tinha nada a ver com a outra. 
Muito apegada ao dinheiro sempre, esse é maior muro das nossas fronteiras, ela não está conseguindo aceitar que a família passa por dificuldades financeiras, não está sabendo lidar com a perda de estabilidade, com a situação toda, então está surtando.
 
Tem uma coisa que me irrita muito tanto quanto gente mexeriqueira e invejosa, é a pessoa que tenta se fazer de vítima, fazendo a dramática, para ganhar a compaixão alheia. Estou tentando manter distância desses indivíduos. E minha mãe tem esse dom, só que estou mais próxima dela do que nunca -- tão perto e tão longe. Minha mãe faz um drama, um teatro, para que as pessoas tenham compaixão da situação de vida dela, das mil dificuldades pelas quais já passou, e está passando, ela falta se ajoelhar no chão em cena típica de novela mexicana pedindo misericórdia. O que ela não aceita e não se orgulha é de todos da nossa família estarmos com saúde, vivendo bem, numa casa própria, com carro na garagem, morando do centro de Brasília... sobrevivendo!! Mas na sua cabeça, é pouco, não é suficiente pois os outros têm bem mais.

Eu não tenho mais paciência para drama, e eu sei que muitos me julgam errada por não ter paciência com minha própria mãe. Talvez porque a vida inteira eu tenha me comportado como vítima, espelhada em algum comportamento familiar (tsc), e isso era a justificativa que eu usava para me desculpar, a mim mesma e aos outros, pelos meus fracassos e a incapacidade de resolver os meus problemas sozinha. Sempre fui muito super protegida, mimada ao extremo, nunca consegui lidar direito com a perda e insucesso, então, aprendi, na marra, que não adiantava me fazer de coitada pois não ajudava em nada a sair do buraco. A vida me fez aprender que eu era só mais uma na multidão e que problemas todos têm, eu não era mais especial por achar que sofria mais do que os outros, por não ter tido um pai presente, por ter convivido com um padrasto alcoólatra, ou por qualquer outra muleta que eu quisesse criar para parecer mais fraca do que o que eu realmente era, porque havia gente com problemas muito maiores ou bem mais difíceis de lidar do que os meus. Essa não era desculpa para não tentar, para não ser capaz de realizar alguma coisa. 

Mas eu tenho que confessar, diante de toda a superação das dificuldades, ainda não suplantei a ausência materna na minha vida. Disso eu também tenho absoluta consciência. Esse é meu "calcanhar de Aquiles". É a única coisa que me desequilibra emocionalmente. Meu relacionamento com minha mãe é muito conturbado, sempre foi. Nunca tivemos dias especiais em que estivéssemos sentadas numa cama, batendo papo, trocando confidências ou carinho de alguma forma. Também não vou ser injusta de dizer que nunca recebi amor. Recebi sim, só que esses momentos não ficaram registrados na memória, talvez porque fizessem parte somente da infância e fossem muito raros porque ela estava sempre trabalhando, dia e noite, e o dinheiro que ganhou, muito suado, reconheço, era o que "comprava" a minha felicidade, minha alegria, meu amor. Tentei algumas vezes a aproximação "mãe e filha", mas nunca obtive bons resultados. Tudo resulta em brigas, cobranças eternas entre duas pessoas que se tornaram completamente opostas, completamente diferentes da expectativa que ambas alimentavam uma da outra!

Eu tenho tantas questões mal resolvidas com minha mãe que muitas vezes é difícil começar e terminar um assunto com sobriedade ou objetividade, porque as palavras vão se perdendo no caminho, nas argumentações, na vontade de falar sobre tudo, sem perder qualquer detalhe... Mas sei bem onde não quero continuar, onde não quero terminar. Pretendo, um dia, achar a solução para esse impasse. Todos falam que depois que perdemos a mãe, o mundo parece não fazer mais sentido, ou nos tornarmos para sempre incompletos. Tenho certeza que se isso vai acontecer -- apesar de não saber não saber quem vai primeiro --, eu também vou sentir a mesma coisa e talvez com um sentimento de culpa muito maior do que o normal.
Às vezes penso que as pessoas assistem às novelas e acham que aquilo tudo é ficção, que relações conturbadas entre mães e filhos e pura arte ou exagero, mas só quem passa por um relação deficitária assim é que sabe o peso disso numa vida inteira, o peso disso em todos os outros relacionamentos com o mundo ao seu redor. Talvez por isso poucos têm a saberia de serem empáticos sem julgar.

E assim nossos cafés da manhã vão desenhando o nosso dia. Mais um dia sem diálogo, nos suportando, tendo que conviver sob o mesmo teto e quase sempre nunca num mesmo cômodo da casa. Emocionalmente uma tortura silenciosa, que, por mais surreal que pareça ser, vai minando o amor maternal, sentimento que deveria ser o mais sublime entre dois seres. 
No final do dia sempre fico imaginando como seria se a hora do café da manhã, ou do almoço, se tivesse sido diferente de hoje, de ontem... Fico imaginando qual a sensação de estar em paz com a vida, tendo a mãe como maior suporte ou aliado, sem cobranças ou julgamentos, tal qual muita gente que vejo por aí em atitudes expressivas e autênticas de amor materno. E sempre que vai chegando a época do Natal ou dia das mães, fico pensando como todo ano é igual no meu desconforto em comemorar estas datas tendo que abraçar minha mãe em público sem qualquer sentimento ardente de amor, num gesto mecânico e aprovável aos presentes nos eventos em que aparecemos juntas. Parece um pensamento macabro e frio, mas é algo que foi acontecendo e que hoje tem uma dimensão muito maior do que o que eu gostaria que tivesse. Não é nenhum orgulho para mim, mas um lamento.
E apesar de não ser a mãe mais carinhosa do mundo, talvez por razões óbvias, ou não -- mais uma muleta --, tento evitar, de todas as maneiras, no meu relacionamento com o Miguel, repetir os feitos da minha relação com a minha mãe. Primeiramente, mostrando a ele que antes de qualquer conforto, poder, ou riqueza, o mais importante na vida é o amor, o respeito mútuo e a amizade. A partir daí, o resto é consequência do cultivo dessa paz que só uma família bem estruturada pode propiciar. Na busca incansável por uma família alicerçada no amor, cumplicidade e respeito, resolvi casar e ter mais um filho. Talvez na tentativa de "fazer direito" daqui para frente...

Sobre tudo isso, tem dias que penso que a minha única missão na Terra era ser uma boa filha e até agora tenho falhado nessa missão, o que me angustia, me deixa depressiva, e me faz querer ser a melhor esposa, a melhor mãe e melhor amiga do mundo para os outros, porque, no subconsciente, não quero falhar com mais ninguém importante para mim!!

Sacudindo a poeira, continuo de Kings of Leon que foi minha trilha sonora enquanto escrevia.

Por Helen de Sousa Waqas






 



A triha sonora de hoje (completa)

Talihina sky - tradução

Notion - tradução

Wicker chair - tradução

terça-feira, 1 de novembro de 2016

Aos Ferdinandos do Mundo

 

Alguém se lembra do desenho do Ferdinando? Ah, como eu amava quando esse episódio se repetia, e era uma pena que eles reprisassem o Ferdinando raras vezes!! Identifico-me tanto com o Ferdinando... ele amava as flores! :)

Às 05h30 perdi o sono e acordei com esse danadinho na minha cabeça. Lembrei da minha infância, dos tantos Ferdinandos do nosso planeta e logo vieram as tais das vaquejadas, touradas e matadouros martelando o meu juízo. Sim, porque ultimamente, depois da legalização do aborto, da eleição de Freixo ou Crivella, o que mais tenho ouvido falar é na tal da PEC 241 e nas vaquejadas.
Como tudo no Brasil, agora também virou disputa de opiniões ser à favor ou contrário às vaquejadas no país. E como tudo que parece sem resolução por aqui, não quis discutir muito o assunto, apesar de ainda me dispor a tentar dialogar sobre isso com algumas pessoas, por gostar de ouvir vários pontos de vista - curiosidade mesmo. Após argumentações acirradas sobre a legitimidade da realização das vaquejadas, aqui em casa houve até bateção de porta do quarto.rs 
Eu afirmo, e reafirmo, que sou contra qualquer forma de violência contra gente, contra os animais, contra as plantas... seja o que for! Eu penso que sempre existe uma outra alternativa para que não se sacrifique nada em nome dos interesses individuais, fazendo com que qualquer Ser desta Terra não seja denegrido ou imolado em prol da satisfação pessoal de muitos. Bom, aí me vi em mais uma contradição na minha vida. Sim, porque outro dia estava lendo um post em que eu me voltava contra a Copa do Mundo ser realizada no Brasil, um post de 2013, e em 2014 eu posava, nas redes sociais, em fotos com o Miguel no Estádio Mané Garrincha. Onde foi parar a minha lucidez e bom senso, além da minha grande revolta contra o sistema corrupto do mundo?! :/ Eu sou contraditória. Não hipócrita, mas me contradigo algumas vezes, quando mudo de opinião ou permaneço nela por razões sem fundamento. Eu também contribuo para o sistema de matança dos animais, pois sou beneficiária do comércio alimentício que propicia tanto sofrimento aos bichos. Eu consumo muita carne, queijo, leite e derivados de animais!!

Voltando às vaquejadas, touradas, matadouros etc, fiquei, então, me questionando por que eu ainda não parei de alimentar o sistema que sacrifica os animais, por que ainda não eliminei a carne do meu cardápio? Bem, aí, em minha defesa, eu digo que houve um tempo em que parei de comer carne, mais precisamente em meados de 2003, 2004, antes do Miguel nascer. Fiquei uns anos sem comer carne, ainda só no peixe, evitando fazer parte do "sistema capitalista", e confesso que nunca senti muita falta do alimento. Não sou tão carnívora quanto pensava ser. Voltei a comer todo tipo de carne quando engravidei, porque os médicos me convenceram que seria bom para o bebê e que ele precisava das proteínas desses alimentos. Desde então, nunca mais a cortei da minha dieta, apesar de não ser muito fã e ainda preferir o peixe! 
Aqui em casa minha mãe faz carne todos os dias, quer seja frango, quer seja carne vermelha. Já insisti mil vezes para comermos menos carne, somente uma vez por semana, mas é difícil criar novas regras numa casa que não é sua. A desculpa da crise também afeta a dieta saudável, "não dá para comer peixe sempre!". 

Outro dia, meu marido foi trabalhar e havia um protesto à favor da vaquejada,  na Esplanada do Ministérios, quando ele voltou me perguntou o que eram as vaquejadas e quais os motivos daquele enorme protesto. Eu expliquei, mas ele não satisfeito, e como adora ser contra o que penso, foi pesquisar na internet sobre o assunto, ler e ver alguns vídeos. 
Na hora do almoço, todos sentados à mesa, o assunto veio à tona e eu afirmava que precisávamos maneirar no consumo de carne. Eis que veio a tal vaquejada para a nossa conversa. Todos contra mim, disseram que era uma atividade válida, pois haviam várias formas modernas de preservar o animal, e entre outros argumentos, um deles o mais batido pelos defensores, era de que a vaquejada propiciava várias forma de empregos e acabar com ela, em meio à crise, acabaria com a fonte de renda de muitas famílias no nordeste e em outras regiões do Brasil. Meu marido ainda tentou argumentar sobre a preservação da cultura que rodeava o ambiente das vaquejadas e vindo de um país fiel à cultura, defendeu esse ponto de vista mais do que a relação vaquejada-empregos. Minha mãe, convicta do que falava, comentou que os próprios veterinários confirmaram na TV (tsc) que o "esporte" era legal e não havia mais dano aos animais, segundo os veterinários. Eu me ative a poucas pergunta para eles: quem paga o salário dos veterinários, o governo? Quem financia as vaquejadas? E quanto aos empregos, antes da vaquejada não havia outra forma de ganhar dinheiro no mundo, no país, sem que os animais fossem sacrificados pelo "esporte", pelo prazer de vê-los sofrer e pagar muito caro por isso?
Agora vejam, por que os veterinários seriam contrários aos fazendeiros, e não adeptos das vaquejadas, se eles próprios não fossem favorecidos pela prática dessa atividade?

A vaquejada gera muito lucro para muita gente, pecuaristas, fazendeiros, veterinários, artistas, entre tantos outros envolvidos, assim como o consumo desenfreado de carne, do qual faço parte como consumidora. É só pesquisarmos, nos informarmos mais sobre isso. Não se trata aqui de querer defender os animais em desfavor dos homens, mas precisamos ser justos, alguém já viu como são realizadas as vaquejadas? Não adianta espora de borracha, rabo artificial, colchão para que o boi não se machuque na hora que vai ao chão. Já tentaram me convencer do contrário, mas é muito surreal ter a vaquejada ainda como um "esporte" ou uma atividade de lazer, mesmo sendo geradora de renda e meio de sobrevivência de muitos!

Há muitos mil anos os homens arrastavam suas mulheres pelos cabelos, e isso era perfeitamente normal. No mundo de hoje é reprovável qualquer forma de violência contra as mulheres, mesmo em países que ainda permitem essa prática. No Brasil, apesar da violência absurda, e que parece não ter fim, a Lei Maria da Penha veio para proteger as mulheres de sofrerem agressões, de serem violentadas de alguma forma. Ou seja, a cultura mudou, pelo menos na teoria, os hábitos mudaram, existe um consenso sobre a violência contra as mulheres. Então, não me venha com a conversa sobre "preservação da cultura" porque essa também pode, e deve, se alterar em prol do melhor para o mundo como um todo, e aqui se inclui fauna e flora! 

Sobre formas de subsistência, empregos e sua extinção, como eu comentei com um amigo, não vejo como um problema sem solução, pois mesmo depois de uma Revolução Industrial, depois da invenção dos computadores, o homem continua capaz, sempre deu o seu jeito para ganhar a vida de um outro modo que não fosse aquele do qual já não era mais possível subsistir. Portanto, em meio à inteligência e poder de reinventar-se, somos capazes de encontrar outras alternativas para solucionar problemas como esse. É tudo uma questão de adaptação e boa vontade de muitos!

E sobre o consumo desenfreado de derivados de animais, pensando lógica e racionalmente, é inadmissível aceitar comentários tais como: "então não coma verduras ou legumes porque eles também sofrem ao serem retirados da terra!". Não se trata de modismo ou somente compaixão dos animais, mas sustentabilidade mesmo, para que evitemos a destruição excessiva do Planeta como um todo, para que pensemos um pouco mais em todo o ecossistema e não somente na vaidade do capitalismo exacerbado que nos conquista aos poucos, envenenando e destruindo o que de mais sagrado nos foi concebido, a natureza!  

A humanidade tem sempre uma desculpa para justificar suas ações impróprias. Todos têm as suas justificativas e até hoje não vi nenhuma respaldada no respeito, solidariedade e preservação das espécies em detrimento da proteção de interesses próprios, particulares, e materialistas. Legalizar o aborto, por exemplo, fora os casos previstos em lei, para justificar menos mortes entre as mulheres que o cometem e evitar crianças fiquem órfãs, desamparadas, é um modo de reforçar a irresponsabilidade individual pelos próprios atos e a irresponsabilidade estatal em não prover meios para a população evitar, ou prevenir, uma gravidez indesejada. Mas sobre esse assunto quero falar um outro dia.  
Legalizar vaquejadas é um meio de justificar a busca incessante pelo capital, em todas as áreas que abrangem a atividade, com a desculpa de empregabilidade e defesa dessa cultura no país. Se a gente quer falar em cultura, por que temos que deixar prevalecer sempre algo degradante, a ideia de defendermos formas de pensamento ultrapassadas que levam mais em conta a violência do que a libertação em si?  Violência, seja de que forma for, é uma forma de estagnação no tempo.

Até quando vamos jogar a nossa responsabilidade social, e individual, nas costas das crises, do governo, da pobreza do país, das condições de vida?  Pensando assim, os assaltos, os latrocínios, os assassinatos, a corrupção, entre tantos outros assuntos que nos amedrontam no Brasil, todos eles têm as suas justificativas, depende, sempre, da perspectiva de quem os defendem!

Minha mãe e meu marido disseram que argumentando eu não vou mudar o mundo, não vou mudar as pessoas. Eu disse que pensando tal como eles, era mais difícil mesmo mudar qualquer coisa. Se toda vez nos curvarmos à desesperança de um mundo melhor para justificar a concordância com o que está pronto e com o que dá preguiça, e trabalho, ser modificado, fica impossível qualquer forma de evolução. Ter um consenso dentro de casa, termos uma opinião contra todo tipo de violência, por exemplo, já é um primeiro passo, e isso se perpetuará entre nossos filhos e familiares, além, é claro, da necessidade de mudança de postura, mudanças em nossos hábitos, ser fator essencial para a transformação desse mundo. 
Quanto à descrença em achar que uma opinião, em milhões, não vale muito, fico com uma das frases que mais gosto de ouvir sobre a força e o poder do amor e da transformação: 

"Eu sei que o meu trabalho é uma gota no oceano, mas sem ele o oceano seria menor." (Madre Teresa de Calcutá)

Por hoje é só, pessoal!! ;)


Por Helen de Sousa Waqas