terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Ideologias que aprisionam


turbante


Hoje foi um dia tenso. Com dores no barrigão de 33 semanas e recomendação de repouso pela obstetra, sinto falta do centro espírita que frequento. 
Tenho certeza que pessoas se "instalam" no nosso caminho para nos tirar do nosso curso normal de vida e fazer-nos odiar as suas existências em nossas vidas!

Ontem estava lendo um artigo sobre uma garota branca que usava um turbante e foi rechaçada no metrô por não ser negra e estar usando um artigo "próprio de negros". Bom, indignada, fiquei pensando sobre essa chuva de ideologias que ao invés de libertar, para igualar pensamentos diversos, acabam aprisionando pessoas a rótulos e alimentando o preconceito de todos os lados, distanciando ainda mais a utópica igualdade de gênero, raça ou religião. 
As pessoas, ao imporem seus pensamentos e dogmas próprios, tentando persuadir, acabam, em efeito contrário, forçando os outros a aceitam suas ideias, suas filosofias de vida, o que afasta a possibilidade de aceitação e aumenta a intolerância entre todos. Estou falando de ideologia política, religiosa, social, cultural... não interessa. Dependo de quem fala e como fala, a repulsa, inconsciente, é imediata!

Hoje o pai do meu filho tomou uma parte do meu tempo para reivindicar suas ideologias aplicadas a educação que ele pretende dar ao Miguel, sempre que o Miguel estiver ao lado dele. O argumento principal foi: "Eu nunca concordei com você raspar o cabelo do Miguel". Detalhe, o pai do Miguel é negro, usa cabelos grandes, representando um afrodescendente legítimo - acredito que assim ele pensa e se vê - e não concorda que o filho dele não possa parecer com ele ou não defender a descendência negra ao não usar cabelo no mesmo estilo. 
Ora, o que eu disse ao final da conversa, fatigada e extremamente irritada, pois estava com dores, queria paz, e a última coisa com que queria me preocupar agora era se o Miguel raspava a cabeça ou não, foi que ao invés de se preocupar com as mensalidades da pensão alimentícia em atraso, com o dinheiro que ele não mandou para ajudar no pagamento de matrícula e mensalidade da escola do garoto que passaram de dois mil reais, ou com o dinheiro que não enviou para ajudar na compra de materiais e uniforme escolar, o "dedicado" pai, estava perdendo seu tempo, ocioso, pois não tem trabalho fixo, pensando em como o filho deveria parecer socialmente para ser identificado como um autêntico negro. A desculpa dele foi: "estou pensando na formação integral dele". Sério? Tá mesmo preocupado com a formação integral do garoto?  Deveria estar preocupado, então, se ele não vai ter que estudar numa escola pública este ano - que já vai começar em greve antes mesmo de iniciarem as aulas-, se vamos ter que cancelar o plano de saúde dele que está caríssimo e ele vai ter que enfrentar os hospitais públicos do país, e que não está incluído o auxílio do pai, pois trezentos reais não pagam nem um terço de todas as despesas do filho! Será que está mesmo preocupado com a formação integral do Miguel? Eu penso bem diferente em relação a formação integral de alguém, viu!

Como eu tentei explicar a ele, o Miguel tem dez anos de idade, não tem que se preocupar em defender uma identidade negra, até porque crianças nessa idade ou mais novas, necessitam parecer iguais para sentirem-se inseridas na sociedade. Portanto, é extremamente normal que ele tenha o cabelo cortado em "modo social masculino", que eu o auxilie na escolha das roupas que compramos sempre juntos, e que não é fazendo distinção de raça que ele irá aceitar com mais facilidade sua miscigenação. Quando ele tiver autonomia e discernimento para isso, vai poder fazer suas escolhas próprias e defender o que quiser e como quiser! Ocupar a cabeça da criança com esse tipo de preocupação é fazer um drama desnecessário antes do tempo, num momento em que ele só precisa se preocupar em brincar e se divertir com os amigos - brancos, negros, asiáticos, amarelos, índios -, apesar de sempre conversamos, aqui em casa, sobre tudo com ele, inclusive sobre nossas origens. Até porque, até agora, o Miguel nunca sofreu, diretamente, qualquer resistência quanto a sua cor de pele.

Eu não penso que estou omitindo a origem do meu filho. Só acho que não é o momento de se trabalhar um assunto tão pesado e que talvez não devesse ter tanta relevância, o que faz dele sempre polêmico. No meu pensamento, como as pessoas deverão aceitar que somos todos iguais se elas fazem questão de fazer distinção entre uns e outros? Para mim não faz sentido. Se eu defendo a igualdade, por que tenho que, a todo momento, reafirmar que sou diferente, que "sou negro" ou "sou descendente de europeu" e por isso necessito de respeito? Sou filha de negro, sou uma mistura de negro e descendente de índios e, apesar da cor da pele ser nitidamente branca, sou um modelo exato de miscigenação nos traços, nos cabelos, no corpo. Sempre achei muito chato ter que defender o tempo inteiro que era filha de negro e por isso o meu biotipo. Nunca tive vergonha de dizer que sou filho negro, e sempre odiei os dramas em relação a esse assunto. Não penso que se tem que defender nada. As pessoas têm que aceitar as outras como são e pronto, sem muita explicação, sem muita fundamentação. Isso não deveria ser importante, "de onde você vem, de quem é filho" etc. A concepção e aceitação da ideia que somos todos diferentes deveriam ser automáticas, ainda mais aqui no Brasil. Não deveriam haver dúvidas!
Se eu quero pregar a igualdade, ressaltar as diferenças só alimenta a intolerância, porque as pessoas não sabem discutir, as pessoas não tem o dom da persuasão, mas querem impor suas ideias, suas filosofias de vida e acabam por afastar a possibilidade de integração.
O Miguel voltou de viagem - um mês e meio no Rio - com ideias que acho extremamente torpes, inúteis, frívolas, tais como: "Homens devem usar o short 'assim' - com os quadris aparecendo - porque as mulheres acham mais bonito", "Você deve usar a roupa que quiser, não é a sua mãe que tem que escolher", "Você pode cortar seu cabelo se quiser, pois o cabelo é seu"... Coisas do tipo de quem não tem outras preocupações a não ser com a estética, com a aparência física. Coisas do tipo de pessoas que não fazem leituras mais substanciais, que não tem um foco concreto de vida. 
Posso estar julgando erroneamente o comportamento de alguém, mas aquilo do que vejo é no que posso acreditar. 

Há dez anos insisto na mesma tecla: "Se você não sabe como fazer, leia, leia e leia bastante para aprender a melhor forma de agir, ou aquela mais apropriada a idade de formação de um ser humano". Mas é a mesma coisa de falar com portas, pois a cultura das redes sociais e suas leituras rasas são mais fortes do que qualquer argumento meu e a vida vai seguindo assim...

No final das contas, vi que minha paciência é curta demais para ignorância muita.
Nasci para ensinar, para orientar, mas não tenho um pingo de saco para quem não quer aprender. Agora, a regra é ignorar aquilo que não tem conserto. Ignorar tem sido a minha estratégia de vida para ficar em paz com o mundo, inclusive comigo mesma. E o que é difícil aceitar é que você trabalha dez ou onze meses na educação do seu filho e em um mês e meio quase todo o seu trabalho é jogado fora por ideologias diversas da sua e que estão completamente fora do seu controle.
Vai vendo, isso é ser mãe e educadora nesse mundo louco!


Por Helen de Sousa Waqas
11 de fevereiro de 2017

Polêmica envolvendo uso de turbante