quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Da nossa miserável ignorância

“Sentada. Vendo um seriado na TV, me perguntava quantas vezes havia cometido aquele mesmo erro com você. Não conseguia encontrar a resposta, ela nunca vinha à mente. Enquanto você sorria, ao lado de suas adoráveis amigas, eu continuava a me perguntar... Levantei, peguei minha bolsa e desci as escadas. Precisava pensar. Respirar. Acendi um cigarro. Vi saírem as velhas e as moças. Todas elas estavam no mesmo bloco que nós. Acendi outro cigarro. O cheiro era de chuva. E chuva tem cheiro? Ah, não, o cheiro era de capim, molhado pela chuva, de terra molhada pela chuva, de asfalto molhado pela chuva... Tudo isso me lembrava você. Pensando nas duas ou três vezes que levantou da mesa para me cumprimentar. Aquilo parecia você, no seu estado egocêntrico de sempre. Aquilo era você! Todos tomaram seus assentos. Fiquei num canto. Olhava-a com certa dúvida, ao passo que obtinha com toda exatidão, em cada gesto seu, a certeza... Cheguei logo à conclusão que o Dinheiro estava me envelhecendo; E nos afastando. Porque o seu egoísmo e mesquinhez eram tamanhos, que nossos peitos já não suportavam o Amor. Todos naquela sala nos viam, mas não conseguiam enxergar a dimensão daquele silêncio. Era a minha casa que você queria? Leve-a. É o meu dinheiro que lhe falta? Tome-o. E agora, que estou longe, está feliz? Aliás, você consegue saber o real valor da felicidade? Creio que já posso voltar. Ainda lhe falta algo? Ah, sim o Amor! Mas esse, o meu dinheiro não consegue comprar, nem tuas jóias, nem teus caros sapatos e bolsas, nem tão pouco tuas viagens ao nordeste, ao sudeste... Nada disso o traz até aqui. E agora que somos só nós duas nesta cama, olhe nos meus olhos. Tente ser verdadeira pelo menos desta vez. Quer que eu conte? Contarei até dez. Respire. E o que falta neste momento? Amor? Não, não falta. Ele esteve sempre aqui, só você não percebeu. Ainda quer eu vá para longe? Eu irei. Mas sinto sua falta de lá. Abri a porta. Desci as escadas. Quebrei o vidro do hall de entrada. Descontem do condomínio. Porque eu pago todas elas em dia. Das mais graúdas, às mais magrinhas. Pago. Sim, claro, porque eu também busco o tal Amor. Ele se parece com o meu espelho. Não reflete nada. E essa palidez... Alguém me injete mililitros de adrenalina, por favor! Subi as escadas. Perguntei quem era, do alto. Não me responderam. Estavam chamando por mim. Eram vozes. Estavam aqui. Perdi o nosso texto. Perdi a hora. Quando você volta? Volta não! Quero dormir, mas não tenho sono. Sinto sua falta. Mas não a quero aqui. Sente-se. Tome um chá. Seja a próxima. Faça de conta. Conte até dez. Respire. Troque as senhas. Se você soubesse como estou cansada de argumentar, tentaria dar o primeiro passo. Vamos, sente-se. Tome um chá. Respire. E o mais doloroso foi perceber que você já não queria que eu a quisesse por perto. Fiquei mais um pouco esperando pelo teu olhar. Mas ele não veio. Então decidi fechar a porta. Passei o trinco. Coloquei o rosto sob as mãos e não os deixei que me vissem, mais uma vez.”

Dedicado a Luciano Barroso, com carinho.

Por Helen de Sousa_24set08